segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Caracterização jurídica do contrato de trabalho.

O artigo 10.º demonstra-o: o contrato de trabalho é um contrato sinalagmático. E é-o não só no seu momento genético, como ao longo de toda a vida do contrato. Sinalagmático porque gerador de obrigações para ambas as partes. Obrigações essas que encontram a sua razão de ser no lado oposto da relação contratual. Há um nexo causal entre a obrigação de prestar o trabalho, que impende sobre o trabalhador, e a obrigação remuneratória do empregador.
O contrato de trabalho é consensual. Na opção entre a maleabilidade do carácter consensual e a certeza da formalidade, o legislador optou pela primeira e liberou (salvo casos específicos) o contrato de trabalho da amarras da forma, pelo que este não depende de forma especial (102.º do CT). Haverá que dizer ainda que naqueles casos em que a lei exige a forma escrita (103.º CT e legislação avulsa), a lei faz diferir os vícios (e as sanções) da falta de forma consoante o grau de importância da mesma e a posição do trabalhador (ex. no contrato a termo o vício é o da irregularidade e a sanção é a transmutação em contrato sem termo). Os deveres de informação dos artigos 97.º e ss, tanto a cargo do trabalhador como do empregador, em nada prejudicam o carácter consensual do contrato de trabalho. São apenas uma forma de garantir o cumprimento de determinados deveres.
Por fim refira-se ainda o carácter duradouro do contrato de trabalho, carácter esse já implícito nas noções de actividade e de subordinação, e ressaltado pelo regime dos contratos a termo, visto este pela lei como um elemento acidental do contrato de trabalho.
O legislador demonstrou assim a importância da estabilidade nas relações laborais, tanto para o trabalhador (e em prima facie para este, diga-se) como para o empregador.

Contrato de trabalho e figuras contratuais próximas.

Empreitada: o contrato de empreitada é um sub-tipo do contrato de prestação de serviços. O prestador de serviço obriga-se à realização de uma obra. Vale aqui o que se disse para o contrato de prestação de serviços.

Trabalho temporário: há duas situações em que o nosso ordenamento jurídico permite o trabalho temporário. Nos termos do CT pode uma empresa, dentro de determinados condicinalismos, ceder trabalhadores a outra. É a chamada cedência ocasional, sendo necessário o acordo do trabalhador (arts. 324.º e ss.). É também possível o trabalho temporário nos termos definidos pelo D.L. 358/89, que regula a actividade das empresas de trabalho temporário. Nestes casos, há uma empresa cujo objecto é recrutar trabalhadores, através de contratos a termo, para facultar a terceiros. O específico nas stuações de trabalho temporário é a cisão dos poderes do empregador. A empresa utilizadora ou cessionária fica com o poder de direcção e de organização do trabalho (higiene, saúde e segurança). No entanto, as obrigações remuneratórias e acessórias, bem como o poder disciplinar, são da empresa cedente ou da ETT. Em boa verdade, a situação de trabalho temporário encerra em si mesma uma situação de trabalho subordinado, a estabelecida entre o trabalhador e a empresa cedente ou entre aquele e a empresa de trabalho temporário. Depois há um contrato de utilização entre as outras duas partes. Há por isso uma relação angular: trabalhador - ETT/empresa cedente e ETT/empresa cedente - empresa utilizadora/cessionária.

Contratos equiparados ao contrato de trabalho

A lei portuguesa, no artigo 13.º do CT, estatui a aplicação dos princípios do CT, aos contratos equiparados ao contrato de trabalho. E quais são esses contratos? são aqueles em que o prestador de trabalho esteja numa situação de dependência económica perante o dador de trabalho. Monteiro Fernandes vê este artigo como meramente programático, não se podendo através dele colmatar lacunas. Com o devido respeito, não me parece que seja esse o sentido da lei. Ao referir "sem prejuízo" parece óbvio que a disposição legal aventou claramente como possível a integração de lacunas relativas àqueles contratos, até ser aprovada a respectiva regulamentãção legal. Certo que se refere apenas a princípios, mas tal facto não é impeditivo que a integração se faça através deles. É esta a nossa opinião, a de que esses princípios devem ser vistos, até ser aprovada a regulamentação especial, como referencial interpretativo e elemento integrador daqueles contratos.
Há ainda que referir os contratos de trabalho com regime especial, a que se refere o artigo 11.º do CT. São verdadeiros contratos de trabalho, nos termos do artigo 10.º do CT, no entanto, por causa das suas especificidades, necessitam de regulamentação específica. No demais, aplica-se o CT (Exs. contrato de trabalho a bordo, serviço ao domicílio...).

domingo, 2 de setembro de 2007

Contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço

O artigo 1154.º do C. Civ. define o contrato de prestação de serviços como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. O objecto deste tipo de contrato é o resultado e não a actividade, por isso é que o prestador de serviço controla o modo de execução do seu trabalho, o processo de produção do resultado. Assim, os meios necessários à obtenção do resultado estão, a não ser que contratualmente se disponha o contrário, fora do objecto legal deste contrato. Há alienação do trabalho, mas incorporada no resultado final.
O ponto fulcral na determinação de uma relação de trabalho é a existência ou não de subordinação. Como é que esta se afere? Tanto a doutrina como a jurisprudência se referem à subordinação como um conceito-tipo, e é pacífico não ser aquele conceito esgotável numa definição. Assim, é através de um juízo de aproximação, efectuado através do método indiciário, que esteve na génese do artigo 12.º do CT, que se efectua a subsunção da situação concreta no conceito-tipo. Os indícios do artigo 12.º compreendem indícios relativos ao momento organizatório da subordinação, à retribuição, à propriedade dos instrumentos de trabalho e, por fim, indícios de carácter formal ou externo.
A esta dificuldade de recorte do conceito de subordinação acrece a informalidade do contrato de trabalho, levando a que muitas vezes os empregadores tentem negócios simulatórios visando a inaplicação do direito laboral. Por isso, a jurisprudência tem recorrido às presunções judiciais, operação aliás permitida pelo C. Civ. Por todas estas razões se discutiu a bondade de uma presunção legal, mormente devido à desmaterialização do elemento da subordinação (cada vez mais potencial) e à possibilidade de inversão do ónus da prova. Foi o que o legislador do CT tentou (?) fazer no artigo 12.º do CT, sendo no entanto justo dizer-se que saiu pior a emenda do que o soneto. Olhando para os requisitos (cumulativos) do artigo 12.º do CT, fácil será concluir-se pela maior facilidade em provar logo a existência de um contrato de trabalho do que em fazer funcionar a presunção. Ou seja, o artigo 12.º não é inócuo. É prejudicial à prova de um contrato de trabalho...

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A diferenciação do contrato de trabalho

Como se referiu já por diversas vezes, é a situação de trabalho subordinado, devidamente enquadrada pela existência prévia de um contrato de trabalho, que delimita a aplicação do direito de trabalho. Ou, por outras palavras, que justifica a existência de normas específicas para protecção do trabalhador. Mas diversas situações há em que é dispendida força de trabalho, em troca de uma remuneração, sem que se possa falar na existência de trabalho subordinado. A dificuldade está em delimitar concretamente o que é trabalho subordinado, até pelo carácter informal do contrato de trabalho. Muitas vezes é inviável suhsumir factos na noção de trabalho, pelo que o intérprete deve recorrer a indícios. O problema é que onde há debilidade económica pode haver trablho autónomo, e onde há autonomia técnica elevada, ou até uma menor carência económica do trabalhador, pode haver uma relação de trabalho subordinado (P. ex. : director de empresa). São estas as dificuldades que se nos deparam na delimitação do campo de aplicação do direito do trabalho, para além de o CT admitir a remuneração à peça ou à tarefa, o que dá a ideia que se está perante trabalho autónomo, dado que se acentua o elemento resultado. Mas pode assim não ser...
Vamos analisar alguns contratos próximos do contrato de trabalho, na ânsia de assim podermos recortar o seu campo de aplicação de uma forma mais completa.

O Contrato de Trabalho - A noção legal do contrato individual de trabalho

Parta-se da noção legal: "Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas." (Art. 10.º do CT). A situação de trabalho subordinado delimita o campo de actuação do direito de trabalho e é enformada por um contrato de trabalho. São estas as características essenciais de um CT:

- a actividade do trabalhador é o objecto do contrato. A prestação laboral é uma prestação de facere. O trabalhador obriga-se a prestar, com o devido zelo e diligência (art. 121.º, 1, c) do CT), a sua actividade laboral. O resultado está fora do objecto do contrato de trabalho, dado que o controlo da actividade laboral ocorre a expensas e sob a responsabilidade do empregador. Alguma doutrina defende contudo que o fim, ou o resultado, da prestação laboral é importante quando tomado como referencial interpretativo do grau de zelo e diligência que o trabalhador apôs na sua prestação laboral, devendo adoptar-se o conceito de bom pai de família ou homem médio para proceder a essa operação. Porque o trabalho é instrumental à finalidade e a obrigação do trabalhador não pode ser entendida como uma mera dispensa de energia. É porque o trabalhador controla sempre, em maior ou menor grau haverá que aferir em concreto, os fins técnico-laborais, que o CT o obriga a empreender a sua actividade com os devidos zelo e diligência, havendo que aferir consoante as circunstâncias de cada caso e as legis artis de cada profissão, se assim foi ou não (art. 487.º C. Civ.).
Dizer ainda, em jeito de conclusão, que o essencial na prestação de trabalho é o que a doutrina usa chamar de heterodisponibilidade da prestação laboral. Ainda que não se verifique a prestação de nenhuma actividade, o facto de o trabalhador se encontrar à disposição do empregador é já a execução da sua obrigação.
- Sujeitos: o trabalhador e a entidade empregadora. O trabalhador, diz-nos a definição legal do contrato de trabalho supracitada, é aquele que por contrato coloca a sua força de trabalho à disposição de outrem, mediante retribuição. O empregador é a pessoa individual ou colectiva que através de um contrato de trabalho adquire o poder de dispor da força de trabalho de outrem mediante o pagamento de uma retribuição.
- retribuição: é elemento essencial do contrato de trabalho. Em troca da disponibilidade da força de trabalho deve ser paga ao trabalhador uma retribuição, normalmente em dinheiro, mas pode ser em géneros. (Art. 267.º 1 do CT).
- Subordinação jurídica: é, conjuntamente com a retribuição, elemento essencial do contrato de trabalho, mas diferencia-se daquela por ser também a marca distintiva deste. Se em vários contratos existe uma "retribuição", a verdade é que a subordinação jurídica, entendida como a relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem , é exclusiva do contrato de trabalho. E a subordinação é jurídica porque reconhecida pelo direito (veja-se o poder disciplinar). A subordinação não necessita de ser efectiva, podendo ser apenas potencial. Com o carácter cada vez mais técnico das profissões, o grau de autonomia na execução do trabalho aumento. Veja-se o 112.º do CT e a aplicação das normas laborais a profissões liberais. Neste caso, as ordens cingem-se a directrizes mais gerais em matéria de organização do trabalho. Basta que se verifique a disponibilidade da força de trabalho aliada há subordinação jurídica potencial, ainda que no que concerne apenas a aspectos organizativos, para que haja subordinação jurídica sem dependência técnica. O conceito de subordinação jurídica não é confundível com o de subordinação económica, entendendo-se este como a dependência económica do trabalhador perante o seu empregador, seja por razões de exclusividade, seja por a sua actividade se integrar no processo produtivo de outrém. Neste caso, o artigo 13.º do CT equipara alguns contratos ao de trabalho, dada a elevada dependência de uma estrutura produtiva alheia que neles se verifica. A subordinação requerida pela noção de contrato de trabalho exige que o trabalhador se integre numa organização de meios alheia, para fins alheios, e que esteja sujeito à autoridade de outrém. Esta subordinação é um estado jurídico e não uma situação jurídica de poder.
Por outro lado, sobre o trabalhador pesa o dever de obediência, correlativo do poder de autoridade do empregador (art. 121.º n.º 1, d) do CT), desde que as ordens e instruções sejam dadas respeitando os seus direitos e garantias e concirnam à execução e disciplina do trabalho, dentro dos parâmetros definidos pelo CT e pela regulamentação colectiva.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Hierarquia das Fontes

A multiplicidade de fontes no que respeita ao ordenamento jurídico-laboral - como de resto acontece com todos os outros - pode originar fenómenos de sobrevigência, levando a que uma determinada situação factual encontre enquadramento ou recepção normativa em mais do que um diploma legal.
Comecemos por abordar o problema da hierarquia das fontes, levando em linha da conta a relação entre o direito internacional e o português, tendo em atenção o que a esse respeito dispõe o artigo 8.º n.º 2 da CRP. Vigorando entre nós a recepção automática do direito internacional, o que dizer se as normas de uma determinada convenção da OIT ou de um regulamento comunitário, divergirem das normas de uma lei anterior? Parece não ser possível outra resposta que não a de que as normas de direito internacional revogam as de direito português, quando aqueles sejam posteriores a estas. Ou seja, tal confronto legal verifica-se entre dois mecanismos de geração de direito interno constitucionalmente regulados, que em nada difere do que pode ocorrer entre duas leis internas.
E no que concerne à hierarquia das fontes internas? Diz-nos o artigo 4.º n.º 1 do CT que os instrumentos de regulamentação colectiva só podem afastar as normas legais quando estas não sejam de carácter imperativo-fixo, tendo com o actual CT desaparecido a cláusula de tratamento mais favorável. Isto é: a alteração estatuída pelos instrumentos de regulamentação colectiva tanto pode ser mais como menos favorável ao trabalhador, desde que não encontre nas normas legais oposição. Assim sendo, o chamado princípio do tratamento mais favorável não mais pode ser visto como referencial interpretativo das normas legais, já que estas admitem variação em qualquer dos sentidos. Assim se abrem novos caminhos à negociação colectiva...